«E ficou Yaacov só, e lutou um homem com ele até ao amanhecer. E disse a Yaacov: “deixa-me, pois chegou o amanhecer.” Mas Yaacov respondeu-lhe: “Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes.” Então perguntou-lhe: “Como te chamas?” E respondeu: “Yaacov.” E disse o anjo: “O teu nome não será mais Yaacov, mas sim Israel, porque lutaste com De’s e com homens e prevaleceste.” E pediu-lhe Yaacov: “Diz-me, por favor o Teu Nome.” E o anjo respondeu: “Porque perguntas o Meu Nome?” E ali o abençoou.»
(Genesis, 32, 25-30)
Nesta parashá encontramo-nos com um dos relatos mais difíceis mas ao mesmo tempo mais interessantes da Torá: A luta entre o nosso patriarca Yaacov e um anjo.
A Torá não define claramente quem era a personagem com quem Yaacov lutou, mas com a continuação do texto, percebe-se que a sua luta foi com a presença Divina.
O combate de Yaacov com o anjo não está anunciado como sonho. No entanto, em torno deste relato está presente a aura misteriosa dos sonhos. Maimónides e Nachmanides interpretam este episódio da vida de Yaacov e diferem sobre se o que aconteceu foi sonho ou realidade.
O combate teve lugar à noite. O confronto começa só depois de Yaacov ficar só, solitário. A leitura dos acontecimentos provoca surpresa e foram feitas inúmeras sugestões interpretativas a fim de resolver os pontos aparentemente mais obscuros do texto.
É possível interpretar que se trata de um relato cujos componentes simbólicos se misturam, tal como no ruido de uma luta; a luta é a circunstância na qual Yaacov está imerso, mesmo quando ele próprio não é o protótipo de um guerreiro. No entanto, a sua vida já conhece o confronto, a astúcia, o medo e o triunfo. Esav e Labão constituem os sinais centrais do périplo de um homem que se sente predestinado e que recebeu revelações que o comprovam. Quando Yaacov ficou só, começou a luta.
A luta, no seu fervor e na sua confusão, provoca uma transformação na personalidade de Yaacov. O seu novo nome, «Israel», indica que conquistou uma nova posição. Renomear é, neste caso, um renascimento simbólico.
A luta de Yaacov não foi suscitada por um objetivo; tem carácter de prova. É uma luta que inclui no seu próprio acontecer a fonte da missão que constitui o sentido da existência de Yaacov. O temor e a ambição poderiam ser vistos como traços dominantes na vida deste patriarca, mas na luta, a ambição passa a prova de fogo e é premiada com «O teu nome não será mais Yaacov, mas sim Israel, porque lutaste com De’s e com homens e prevaleceste.»
Quando Yaacov pergunta pelo nome do seu adversário, este responde-lhe: «Porque perguntas o meu nome?». Nesta pergunta condensam-se o mistério e o fascínio do relato. O ser responde «Porque perguntas o meu nome?». A pergunta de Yaacov era certamente retórica. Ele sabia com quem tinha combatido. É de notar que esta certeza não formulada durante o sono, explode como evidência ao acordar. «E chamou Yaacov o nome daquele lugar Peniel» (Face de De’s) porque disse «Vi De’s cara a cara e livrou-se a minha alma.»
A luta de Yaacov não é vista como uma ação pessoal; representa a luta do povo de Israel ao longo de todas as gerações.
A vida de Yaacov é o protótipo do destino do povo judeu na diáspora. Ele é o patriarca mais perseguido, o escravizado, o que deve fugir, aquele cuja vida é acompanhada de sofrimentos.
Yaacov representa, na sua personagem e na sua história, todo o povo de Israel, e é por esse motivo que De’s lhe dá um novo nome, que será o nome do povo de Israel no futuro.
Milhares de anos decorreram desde esse confronto histórico até aos nossos dias, mas até hoje Yaacov encontra-se só e solitário. Até hoje, o povo de Israel tem que enfrentar, em combates noturnos, aqueles que querem apagá-lo do cenário histórico, afetando a sua integridade física e a sua identidade.
Os relatos da Bíblia não são só História. Neles encontramos mensagens que iluminam o nosso futuro e dão significado ao presente. O relato de Yaacov reveste-se de especial importância e significado por ser um relato «eterno».
Yaacov foi o vencedor do encontro noturno. Ele dominou a força do seu opositor misterioso até ao amanhecer. O seu triunfo era inesperado, já que se encontrava só, débil e desarmado frente a um adversário treinado e poderoso. Yaacov não se rendeu perante o adversário que o atacou na sombra da noite. Ele agiu de forma absurda, contra qualquer pensamento racional e pragmático. Por outras palavras: Agiu de forma heroica. Yaacov, só e indefeso, foi à luta contra um inimigo poderoso. Não demonstrou força, mas sim heroísmo e coragem. O amanhecer deparou-se com ele transformado em vencedor solitário, em herói inesperado. O absurdo e evitável superou o possível e racional. Triunfou o heroísmo em vez da racionalidade.
E não é que neste acontecimento está contida toda a história do povo judeu na sua luta pela sobrevivência durante milhares de anos?