E viu Balac, filho de Tsipor, tudo o que Israel tinha feito aos amorreus, e temeu muito Moab o povo de Israel (…) E Balac (…) que nesse tempo era rei dos Moabitas, enviou mensageiros a Bilam (…) Para lhe dizer: “Eis que um povo saído do Egito cobre a face da terra e agora habita frente a mim. Peço-te que maldigas esta gente, porque é demasiado poderosa para mim.
Talvez possa conseguir derrotá-los e expulsá-los da terra, porque sei que quem tu abençoas, abençoado é, e aquele a quem tu maldizes, maldito é” (…) E respondeu Bilam a Balac: “Eis-me aqui, mas por acaso eu poderei dizer qualquer coisa? A palavra que De’s puser na minha boca é a que eu direi.” E disse Bilam a Balac: “Constrói-me sete altares e prepara-me sete touros e sete carneiros” (…) E elevou esta invocação: “Do alto das rochas o vejo e desde o cimo das colinas o contemplo.
O seu povo será solitário e não se contará entre as demais gentes” (…) Então disse Balac a Bilam: “Que me fizeste? Encomendei-te que maldissesses os meus inimigos mas tu encheste-os de bênçãos.”
(Números, 22, 2-41, 23, 1-13)
Nesta parashá somos testemunhas da finalização da conquista da margem oriental do Jordão e do começo de uma nova etapa na qual o povo hebraico se assenta nas margens do Jordão, para atravessar o rio e entrar na terra de Canaã. O povo de Israel já não é um povo de errantes no deserto, mas sim um povo que conquistou uma terra, a partir da qual enfrenta alguns dos povos vizinhos.
Como consequência deste facto, torna-se necessário considerar o povo de Israel como elemento novo dentro da “geopolítica“ da zona de Canaã, e com o qual os demais povos se começam a relacionar. Parte do povo começa a construir cidades na margem oriental do Jordão, facto que desperta o interesse dos povos vizinhos. Quando povo de Israel começou a aproximar-se da terra prometida, levantaram-se outros povos que estavam assentados a oriente do Jordão e saíram ao ataque o cananeu, o rei de Moab e o de Sichón. Depois de lutar e triunfar sobre estes povos, o povo de Israel prossegue a sua marcha até chegar ao limite de Moab, onde reinava Balac, filho de Tsipor.
Balac viu que a tentativa de vencer o povo de Israel pela força tinha fracassado. Os três povos anteriores que tinham lutado contra Israel tinham sido vencidos, e por isso Balac escolhe um caminho diferente, original e novo: decide empregar “armamento não convencional”.
Renuncia em princípio à guerra e tenta conseguir a colaboração do profeta e mago Bilam, filho de Beor, para ele maldizer o povo de Israel.
A maneira como Balac analisa a situação na nossa parashá é ampla e cuidadosa: “um povo sem nome livra-se da escravidão no Egito, faz caminho entre os demais povos e conquista rapidamente uma terra alheia para se instalar nela.”
Analisando as palavras de Balac, podemos compreender que elas não descrevem uma situação habitual; elas elevam o comportamento do povo de Israel ao nível de um acontecimento com importância histórica, cujas causas se entrelaçam com factos acontecidos anteriormente e que terá consequências futuras.
O triunfo de Israel sobre os amorreus, longe de constituir um facto efémero, é um acontecimento capaz de modificar de forma total o mapa da região e as relações de força entre os povos.
Balac, na sua qualidade de monarca de um reino forte e importante na época bíblica, foi o primeiro em compreender que “eis um povo saído do Egito” Não se trata de um grupo de nómadas que vagueiam pelo deserto, nem de um conjunto de famílias; vão enfrentar um povo.
Balac, filho de Tsipor, informou o seu povo do perigo que representa a vizinhança do povo de Israel, e por isso sugere procurar a cooperação entre Midian e Moab. É possível supor que Balac desejava conseguir a ajuda de outros povos vizinhos na sua luta contra o povo de Israel, para o qual era necessário conseguir a maldição de Bilam sobre Israel.
Balac chama Bilam para ele vir de terras longínquas fazer ouvir publicamente a sua maldição sobre Israel. O objetivo central da maldição era despertar o entusiasmo pela luta contra Israel e assegurar assim o triunfo sobre este povo. Balac compreende que a única maneira de triunfar sobre um povo “anormal“, que não responde às leis da natureza e da política, será através de uma estratégia “anormal“, e por isso recorre a Bilam.
A Torá apresenta a opinião de Balac, filho de Tsipor, como ponto de partida e explicação do que acontece nesta parashá. É ele quem destaca as proporções do perigo que o povo de Israel representa, em consequência do qual se move, se aterroriza e envia representantes a Midian. Com base na opinião de Balac, desencadeia-se uma série de acontecimentos que vão no sentido de prejudicar o povo de Israel.
Do relato bíblico retira-se a conclusão de que a proposta de Balac de maldizer o povo de Israel foi um dos factos mais vis que um ser humano fez contra Israel. No entanto, a maldição tornou-se uma bênção, e no fim o povo de Israel saiu favorecido.
A figura de Bilam, a quem foi pedido que maldissesse Israel, é muito interessante, ao ponto de não ter paralelo em todo o texto bíblico. Considera-se Bilam um profeta entre os povos, a quem representa em espírito e não pela força.
Se olharmos para ele na nossa parashá, Bilam aparece como uma pessoa com ideias claras. Durante todas as suas negociações, primeiro com os emissários de Balac, e depois com o próprio Balac, Bilam volta uma e outra vez a repetir a afirmação de que não pode agir nem opinar de forma independente e de que tudo depende das palavras que De’s puser na sua boca.
A partir do texto podemos compreender que a ideia da maldição tinha-se apoderado de Balac como um “dibuk” (obsessão), para o qual nenhum esforço parecia excessivo, e todo o preço devia ser pago. Os representantes que ele envia para convencer Bilam são os seus próprios ministros, e promete-lhe também uma grande recompensa.
Bilam vem pra maldizer, e no fim vê-se obrigado a abençoar. Da primeira vez, Bilam tenta maldizer o povo de Israel a partir de uma montanha e não o consegue fazer: a maldição transforma-se em bênção. Balac tenta então uma mudança de tática: leva Bilam para outro sítio, supondo que foi o lugar geográfico que determinou o fracasso do mago em maldizer o povo.
Claro que, tanto no novo lugar como nos diferentes lugares onde o mago tenta expressar a sua maldição, também não o consegue fazer, e, em cada nova oportunidade, a maldição transforma-se em bênção.
Na Torá aparecem as palavras de Bilam, não só na qualidade de sua opinião pessoal, mas também como um facto que ele apresentou perante o mundo, por isso estas palavras representam a mensagem das nações do mundo ao povo de Israel. Até hoje começamos as nossas orações com a bênção deste profeta perante os povos: “Quão belas são as tuas tendas, ó Yaacov, e as tuas moradas, ó Israel.”