As festividades de Israel – Parashat Pinchas

E no dia 14 do primeiro mês celebrar-se-á Pesach do Eterno. E o dia 15 desse mês será festivo. Durante sete dias comer-se-á Matzá. O dia primeiro será de santa convocação. Não fareis nele trabalho servil algum (…) Assim fareis os sete dias, oferecendo ao Eterno suas oferendas () E o dia primeiro do mês sétimo (Rosh Hashaná), será de santa convocação, não fareis nele trabalho servil. É dia que se celebrará ao som da trombeta () E o dia 10º do mesmo mês (Yom Kipur) será para vós de santa convocação. Afligíreis vossas almas e não fareis trabalho servil () E o dia 15 do mês sétimo será do mesmo modo de santa convocação (Sucot). Nele não fareis trabalho servil e celebrareis a festividade ao Eterno durante sete dias () E disse Moisés aos filhos de Israel tudo o que o Eterno tinha ordenado.“ (Números 29,1 – 39)

Esta parashá apresenta a sequência temporal dos acontecimentos da Torá; abre uma janela para o mundo fascinante das festividades, para que, através delas, conheçamos o seu significado e importância, assegurando assim a memória das tradições do povo judeu. Para além deste acervo de festividades que aparecem na Torá, existem outras que surgem e se tornam vigentes a partir das palavras dos nossos sábios, que fixaram normas e festividades em diferentes épocas, posteriores à entrega da Torá. As festividades da Torá e as estabelecidas pelos nossos sábios abrangem na sua totalidade os dias de alegria, invocação e memória do povo de Israel ao longo de todas as gerações.

Para qualquer cultura, a organização temporal permanente e sistemática do calendário é muito importante, pois os valores que regerão a vida do povo determinam-se torno da fixação de datas e celebrações. Sem uma ordem estabelecida no tempo, o Homem não pode gozar da visão íntegra do desenvolvimento da sua vida junto dos seus correligionários. O calendário anual como estrutura integral de significados é a chave do entendimento de todas as culturas. Mas o calendário do povo judeu tem um significado especial, por dois motivos: um que emerge do destino singular que o acompanha, e o outro que surge da escala de valores da Bíblia, que permite a estabilidade da existência espiritual do povo de Israel.

Um dos fatores importantes que caracterizam a forma de vida judaica é sucessão de festividades e o seu significado. O calendário judaico abrange um programa de vida completo para as comunidades, para as famílias e para cada indivíduo.

O destino do povo de Israel é o de um povo que passou a maior parte da sua história fora da sua terra, quer dizer que esteve carente do elemento básico para a construção da consciência coletiva. Desta forma, o primeiro motivo tem especial importância, já que o povo teve que se aglutinar ao redor de um elemento comum: a ordem dos tempos de celebração, para que as festividades reunissem as comunidades dispersas por todas as partes do mundo. A similitude de festejos e recordações sobre um mesmo evento ao mesmo tempo consagrou significado ao emprego de símbolos comuns.

Algo muito conhecido é o fato de as festividades do povo de Israel terem um duplo carácter: por um lado recorda-se o acontecimento no qual se revelou a aparição divina, e, por outro, são dias de regozijo pelas bênçãos de De’s sobre o nosso trabalho em casa e no campo. Cada festa representa uma determinada época agrícola ou uma estação do ano.

Sucot, que lembra a vida em cabanas dos judeus no deserto, também é a festa das colheitas. Shavuot recorda-nos o recebimento da Torá no monte Sinai e é também a festa das primícias do campo. Pesach, que representa a saída do Egito, é também a festa da primavera.

As festividades do povo judeu são “tempos“, quer dizer, momentos especiais de reencontro com a História e com as expectativas de futuro histórico.

A essência do tempo sagrado é permanente e estável. Os dias úteis, que funcionam segundo o relógio, dirigem-se num só sentido, sem possibilidade de regressão. No entanto o tempo sagrado é permanente e estável, já que se detém no seu limite e regressa ao princípio.

As cerimónias festivas foram criadas para tirar o Homem da sua vida quotidiana e colocá-lo na génese da sua existência. A festa sagrada é o regresso divino, é o momento triunfal, que nem transcorre nem se acaba.

Quem festeja uma festa anual dá-se conta de que toda a festa equivale na sua vivência à festa do ano anterior, à da casa do avô, do pai e assim até ao princípio de cada geração. Quem se regozija, sincronizou tempo e transporta-se ao momento sagrado que emanou da Torá.

Portanto, o homem que celebra as festividades de Israel não só vive na dimensão histórica que se sucede mas também reconhece outra dimensão: a do tempo sagrado que, pelo seu sabor glorioso, subsiste e permanece ao longo de todos os tempos.

Como pode um homem criar uma experiência de “tempo sagrado“ através de uma festa bíblica? Determinando um tempo consagrado a De’s, ajustando seus atos para estabelecer a diferença face ao dia comum do ano. Assim se consagra a De’s para consciencializar um ato simbólico. A santificação da festa surge do contacto que o homem estabelece com o De’s da História e do presente. A importância está na localização, na saída do tempo “útil” que transcorre e muda, para ficar no momento sagrado, que persiste. Existem dois aspetos nos tempos da Bíblia: um é o que se refere à visão retrospetiva de De’s, que redimiu povo judeu; o segundo refere-se ao ciclo da natureza, onde se reivindica o facto de o Homem ser criação divina e de todas as suas capacidades e sucessos se deverem ao criador.

Basicamente, em cada festa e celebração do ano judeu assinala-se uma ideia central que a festa introduz na nossa consciência através dos símbolos espirituais que acompanham as tradições e os costumes.

O ano judeu e todas as suas cerimónias, festas, começos de mês e dias de reconhecimento e alegria foram destinados a garantir os valores nacionais, culturais e religiosos; os valores morais e sentimentos nacionais, ideias que representam a pedra fundamental do pensamento e da existência do judaísmo. Nisto reside a diferença entre a religião judaica e as de outros povos.

Para outros povos do mundo, o conceito de “tempo“ tem um significado físico, que enquadra e estabelece meses e semanas pelos quais uma determinada sociedade se rege. Mas para o povo judeu, que abençoa nas suas orações: “bendito seja Israel e os seus tempos“, o tempo tem valor sagrado, já que os acontecimentos religiosos e culturais se prescreveram para reforçar o entendimento dos valores espirituais, que dão à nação um carácter distintivo.

É sabido que povo e a sua cultura não podem sobreviver se os seus filhos não derem vigência e significado aos eventos importantes da vida dos seus patriarcas e às suas experiências coletivas ao longo de toda a história.

Mas a tradição não se mantém somente pela sua capacidade de retrospeção automática e pela sua capacidade de evocar o passado. A tradição deve viver também no presente e dirigir-se para as futuras gerações. Em cada geração, o judeu deve atualizar as festividades, os seus símbolos, e conceder-lhes o significado relevante para a sua existência. Cada geração deve perguntar-se o porquê de continuar no caminho dos seus antepassados e, ao assinalar as festas, interrogar-se sobre os conteúdos que devem ser destacados e a forma de os transmitir às gerações vindouras.

As festas de Israel são encontros peculiares onde o tempo reúne o Homem com De’s. Estes encontros detêm o Homem na sua corrida pela vida e colocam-no num momento de reflexão absoluta e união sagrada.