O Pacto com o Povo de Israel – Parasha Nitzavim

Todos vós estais hoje presentes perante o Eterno, vosso De’s: os vossos chefes, os vossos anciãos e os vossos oficiais de justiça, com todos os homens de Israel, as vossas crianças, as vossas mulheres e os estrangeiros que estão no teu acampamento, desde o cortador de árvores até ao aguadeiro, para entrarem no Pacto com o Eterno teu De’s e no juramento com o qual o Eterno se compromete contigo hoje. Com isso te consagra hoje como povo Seu, sendo Ele o teu De’s, como te tinha jurado, a ti, aos teus pais e a Abraão, Isaac e Yaacov. Mas não somente convosco celebro este Pacto, e sim também com os que não estão presentes hoje aqui.  (Deuteronómio, 29, 9-15)

A ideia de pacto ou aliança que aparece nesta parashá é um dos pilares fundamentais da nossa constituição como povo e representa o eixo central da visão do mundo judaico. A aliança à qual nos referimos surge da revelação de De’s perante o povo de Israel, para estabelecer um laço inquebrantável que transcende a não menos importante união que deve existir entre os homens.

A parashá contém variados temas que se referem ao comportamento do Homem e à sua função sobre a terra, à função particular de Israel entre as nações e ao nexo e às obrigações para com De’s.

A noção de aliança (Brit) refere-se à convenção (acordo, tratado, união), que deve ser perpétua, entre integrantes que gozam de uma condição de independência mas não de igualdade.

O pacto estabelece uma atividade ou obrigação comum para atingir objetivos definidos e realiza-se em circunstâncias que asseguram a prudente integridade de todos os membros.

Esta aliança é muito mais que um contrato, porque invoca a fidelidade acima dos benefícios mútuos que se possam obter. Trata-se de uma dimensão moral que ultrapassa a sua magnitude legal.

Resumidamente, estabelece-se uma união baseada num vínculo férreo, onde se estabelecem legalmente os limites de poder de cada uma das partes. Temporalmente relega-se o aspeto legal e jurídico para se efetuar uma união efetiva.

A singularidade de um pacto louvável reside no facto de vincular as pessoas e os povos como coparticipantes de empresas comuns, mas sempre respeitando os aspetos individuais de cada um.

Este é justamente o sentido do pacto entre De’s e os filhos de Israel. Quando o Todo-poderoso estabelece de forma livre uma aliança com o Homem, por um lado põe limites ao poder do Homem, mas por outro permite-lhe um lugar digno de desenvolvimento individual, onde a única exigência é viver de acordo com a Torá, que rege o comportamento do povo judeu.

A responsabilidade é o primeiro elemento básico que reúne as partes para as consolidar num corpo integrado socialmente e que representa os interesses do compromisso assumido. Mas a formação de um grupo organizado não anula a independência de cada participante do pacto.

Pacto significa o estabelecimento de obrigações mútuas entre os integrantes, que podem ser pessoas isoladas, grupos, famílias, tribos ou povos que correspondem a uma unidade do pacto ou aliança.

A primeira aliança relacionada com o povo judeu que a Torá menciona é a que se estabeleceu entre De’s e Abraão, onde De’s fez a Abraão duas promessas: descendência e terra. Apesar destas promessas serem feitas aparentemente a um só homem, na realidade assentaram a base para o surgimento de uma nova nação na sua própria terra.

A segunda aliança importante que aparece na Torá e na história do povo judeu é a aliança do Monte Sinai, onde os filhos de Israel receberam a missão espiritual de se transformarem no povo escolhido que respeita a Torá, na qual se encontram as regras de justiça e as normas de vida que os hão de reger. Nesta aliança, De’s adjudica-se a responsabilidade direta do governo do povo.

No pacto com Abraão e na aliança do Monte Sinai ficou estabelecido o papel fundamental que o povo de Israel tem entre as demais nações.

A conceção de pacto ou união da qual a Torá fala sublinha a relação íntima que existe entre De’s e o seu povo; relação essa que se estabelece entre os limites de reciprocidade que o pacto marca. Portanto, pode definir-se a relação de De’s com Israel como uma relação de dependência mútua. A ação de cada um repercute-se sobre as ações do outro, influenciando a definição que será feita da sua própria existência.

O resultado do cumprimento ou incumprimento das obrigações assumidas por Israel será a recompensa ou o castigo, respetivamente.

Não está nas mãos da vontade divina cuidar da efetividade do pacto, pois é através das manifestações do povo de Israel que se legitima a autoridade do Senhor. Portanto, o recebimento da Torá tem um significado cósmico.

Em termos bíblicos, De’s vincula-se com o mundo e com as criaturas que nele existem, mas em especial com o Homem e com o povo de Israel. A relação estabelece-se através de um sistema de pacto.

O primeiro pacto fê-lo com Noé depois do dilúvio que ocorreu sobre a terra, concedendo, ao mundo que De’s criou, outra oportunidade. Ocorreu como se o mundo tivesse sido criado outra vez, estabelecendo no centro o pacto com a espécie humana.

Este é o primeiro pacto que se realiza com a humanidade e chamou-se “filhos de Noé“, dando origem às obrigações com as quais se compromete toda a humanidade. Os compromissos dos filhos de Noé são sete: não ao paganismo, não ao derramamento de sangue, não profanar o nome de De’s, não fornicar (ignomínia), não roubar, viver segundo um código jurídico e não comer órgãos de um ser enquanto este está vivo.

Segundo Chazal (os nossos sábios), o povo de Israel não pediu para ser escolhido para receber a Torá. Na realidade foi a sua disposição de ouvir a lei de De’s, em ato de fé, que criou uma profunda e vigorosa união entre De’s e o povo judeu.

O judeu em particular e todo povo em geral existem como tais desde que aceitaram as obrigações estipuladas na Torá que receberam. Por isso, quando as pessoas se reúnem em função de experiências e finalidades comuns, reafirmam-se como indivíduos e transformam-se em comunidade.

Apesar de o cuidado do pacto ser responsabilidade de cada um, os judeus, na sua condição de povo, assumem a responsabilidade comunitária de forma coletiva, já que o pacto representa a fonte da sua integridade e identidade nacional.

Apesar de o pacto ter sido assinado no passado, o povo de Israel encarregou-se de o preservar e de o transmitir, eternamente, de geração em geração.

Através do acordo assinado por todo o povo de Israel, as pessoas desta ou de qualquer outra geração estão obrigadas a receber os preceitos marcados pela Torá como parte integral da sua vida, mesmo sem terem participado da sua entrega direta, já que estes preceitos constituem a identidade através da qual se definem todas as gerações. O pacto é o ideal operativo de todo o povo de Israel, já que não apresenta limites de tempo ou espaço para a sua execução.

O judeu crente aceita, em princípio, dois compromissos incondicionais: as obrigações para com De’s, que o acompanhou durante toda a vida, e a responsabilidade em assumir fielmente a missão histórica do seu povo.

Acreditamos que, apesar de todas as experiências históricas que parecem contradizer estes objetivos, nos encontramos num processo de redenção, no qual, por fim, serão cumpridas as aspirações e expectativas do povo de Israel.

Pode dizer-se que, na tradição judaica, os laços do pacto são a materialização palpável de uma relação de intercâmbio permanente. Quando o vínculo é com De’s, o homem redime-se, e quando é de união com os seus semelhantes, humaniza-se.

A união tem a força e o poder de transformar as relações em relações verdadeiras e traduzir os nexos de convivência em formas de vida coletiva.

Dito de outra forma, as relações de união que se estabelecem na vida social e política são paralelas à relação na vida pessoal de “eu-tu“ que Martin Buber menciona na sua filosofia. O pacto, acordo ou união permite ao homem e às instituições realizar intercâmbios de reciprocidade em benefício mútuo.

Rabino Eliahu Birnbaum